Jornal do Avaliador


O estilista dos vinhos portugueses da moda

Reportagem: Flávia de Gusmão
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Luís Pato é dono de uma das principais grifes da vinicultura portuguesa. Antenado com as tendências, ele anuncia que a nova onda será a dos vinhos com menor teor alcoólico



O vinho segue a moda? Pode apostar que sim. Se pensarmos em moda como o lado mais externalizado de um conjunto de crenças, hábitos e comportamento adotados numa certa época por um certo grupo, maior ou menor, de pessoas, sim, podemos dizer com certeza que não só o vinho, mas a gastronomia e tudo o que a ela se relaciona também vivem seu momento fashion.


Carnes, por exemplo, no passado das cortes medievais, eram servidas quase pútridas. O mau odor disfarçado por uma gama de especiarias. Hoje, associamos qualquer coisa que entra boca adentro, necessariamente, com frescor. Não apenas frescor na sua origem, mas também o frescor dos ingredientes que não são mascarados por outros ingredientes. Antigamente, tomava-se vinho em pesadas taças de estanho, desconhecendo-se, contudo, que a corrosão desse material pela acidez do vinho levava uma quantidade não recomendada do metal para a corrente sanguínea, muitas vezes com resultados fatais.


O português Luís Pato, engenheiro químico e vinicultor, é um senhor que adora uma moda. À frente da vinícola que já está com sua família desde o século 18, ele não se conforma em apenas produzir um dos melhores vinhos do mundo: ele o quer diferente. Novidadeiro, mantém em sua propriedade dois hectares cultivados com pés francos. Na linguagem dos “enoentendidos” isso significa dizer que essas parreiras nunca foram enxertadas com espécimes norte-americanos, medida de prevenção em todo o mundo depois que a Europa viu todos os seus vinhedos dizimados por um fungo chamado filoxera. Ests área, correspondente a dois campos e meio de futebol, é toda plantada com a uva de sua preferência, a autóctone baga (entenda-se por autóctone aquela que é originária e específica de uma região, neste caso, Portugal ), e produz apenas duas pipas, ou 1.500 garrafas, por colheita. É o mesmo que dizer que um pé de uvas rende uma taça.


Voltando à comparação com o mundo da moda, no seu métier, Luís Pato é um estilista e, como tal, é na originalidade e no perfecconismo que ele cavou seu espaço entre os grandes. Os seus vinhedos, localizados na região das Beiras, dá duas colheitas por ano, como no Vale do São Francisco, e, no final de agosto, quando os cachos já estão maduros o suficiente para confeccionar um espumante, alguns deles são retirados e enviados à produção dessa bebida e os outros são mantidos no pé para que, com menos concorrência, produzam um tinto melhor. Mister Baga, como é conhecido, diz que não quer fazer uma cópia daquilo que é produzido na região de Champanhe, França, e que, com a insolação maior em Portugal, obtém uma bebida menos ácida e mais aromática. “A vantagem de Portugal é ter uvas que os outros não têm. Temos que vender nossa diferença, mas vender bem. Temos mais de 300 uvas diferentes, 10% delas são muito boas, vamos divulgá-las”, defende.


Segundo Luís Pato, a nova geração de enólogos portugueses vem criando vinhos mais limpos e mais apelativos ao novo consumidor, em contraposição a uma geração mais antiga, que se espelhava na França ao elaborar a bebida. Ao lado de condições de vinificação mais apuradas, o resultado é que os vinhos brancos portugueses, na opinião de Luís Pato, deram um grande salto qualitativo. Ele mesmo exporta 90% dos brancos que produz para todo o mundo, inclusive para países que têm forte tradição nesse tipo de vinhos, como a Austrália.


Para ele, os vinhos portugueses começaram a “entrar na moda” na década de 90, quando passaram por uma grande reestruturação tecnológica e conceitual. “Antes, os vinhos portugueses eram amados pela crítica especializada, mas desprezados pelo consumidor. Hoje, as duas pontas se uniram”, diz. Se o mundo da moda pede novidade o tempo todo, ordena sintonia com os novos tempos quase a cada segundo, o mundo do vinho, defende ele, também não pode viver do passado. “Não sou tradicionalista, a uva é minha tradição”, arremata.


E ele anuncia a próxima onda que não tardará a vir – vinhos com menores teores alcoólicos - e faz uma cronologia daquilo que já se andou “usando” nas taças. “Primeiro, a moda era o butterscotch, o vinho amanteigado, amansado à custa do uso da madeira, um vinho que pode ser chamado de Coca-Cola wine porque tentava se amoldar ao gosto universal. Depois foi justamente o contrário, vinhos que aliviavam na madeira e mais alcoólicos. A próxima leva deve trazer vinhos com menos álcool (algo em torno de 12%), macios na boca e com nariz intenso”, profetiza. Num universo tão disputado quanto o da moda, aqueles que produzem vinho com estilo captam as necessidades contemporâneas e procuram engarrafá-las. Para Luís Pato, Portugal tem tudo para ser ponta-de-lança de tendências que se mostrarão universais. As uvas touriga nacional e tinto-cão são, desde já, o que ele acha que vai “pegar” na próxima estação.



Fonte: Jornal do Commercio do Recife, 20/6/2008, Caderno C, pág. 8

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